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CONTOS II - Ciranda, Cirandinha...

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POEMAS I - Arco-Íris - A Roseira - Dia de Festa - Vida de Poeta - Despedida - Tempo de Estima - Grampo de Cabelo - Duas Faces

 

POEMAS II - Imagens no Espelho - Analogia - Jardim - Conhecendo uma Mulher - Céu Estrelado - Mar em Calmaria - Prazer Total - Quando a Noite Vier

 

POEMAS III - Vestido - Volta ao Começo - Declaração - Além da Morte - Idealização - Faz-de-Conta - Uma Gota no Oceano - O Desejo de Ser...

 

POEMAS IV - A Cigana - Um Novo Dia - Em um Minuto - Cinderela - O Pintor de Quadros - Doçura - Divisão - Menina da Noite

 

POEMAS V - O Pequeno Pássaro

 

 

PROSA

 

CONTOS I - Cedo Demais

 

CONTOS I - Cedo Demais (final)

 

CONTOS II - Ciranda, Cirandinha...

 

CONTOS II - Ciranda, Cirandinha...(final)

 

ARTIGOS E CRÔNICAS - Um Ato de Amor - Na Terra do Peter Pan Só Não é Criança Quem Não Quer / Os Sem-Praia - Plante uma Flor no Coração

 

 

PROJETOS

 

DRAMATURGIA - As Gêmeas/ Drama - O Reino de Cristal/ Infantil - Atribulações em Família/ Comédia de Costumes

 

CINEMA - Fogo Sob as Cinzas/ Drama/ Longa Metragem - Clube dos Espertos/ Comédia/ Curta

 

TV/ VIDEO - No Mundo Encantado/ Série p/ o Público Jovem

 

 

INFORMAÇÕES

 

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CONTOS II - Ciranda, Cirandinha...


CIRANDA, CIRANDINHA...

          O relógio da pracinha marca dezoito horas. Numa pequena cidade litorânea do Rio de Janeiro,  num bar, vozes um pouco mais altas que o normal passam a chamar a atenção dos transeuntes, por instantes, porque as atenções estão voltadas para outro fato mais importante. O fato de ser o último dia do ano. Mesmo assim os dois homens continuam discutindo.
          - Ah, você está inventando!
       - Tenho certeza! Olha, Rua dos Ingazeiros, 39. Você conhece o Januário, já beberam juntos aqui no bar umas duas ou três vezes, se me lembro bem. Vá lá averiguar se estou mentindo...
          O incrédulo sai do bar, sem olhar para os lados. Vai andando pelas ruas de árvores frondosas. Usa chinelos de dedo, bermuda e camiseta. O que acontece é que esse homem esquece do tempo enquanto caminha, sem direção, com os pensamentos longe. Em determinado momento, para. Senta-se num canto olhando para o mar, os barcos, os pescadores que cuidam das redes, bem como de outros apetrechos de pesca, ao passo que, distante, nosso amigo mergulha na imensidão dos seus inúmeros devaneios, por horas a fio. Por enquanto, caro leitor, os pensamentos só a ele pertencem. Deixemos desse jeito.

         A movimentação na praia onde ele se encontra aumenta aos poucos, conforme as horas vão passando. As pessoas vão chegando lentamente, a maioria de roupa branca. O local vai ficando cheio de gente.
          A espectativa é geral. Agora são vinte e três horas, ou como se diz quando aguardamos a passagem do tempo, falta uma hora. Uma hora para a chegada do Ano Novo. Nas casas e nas ruas aquele povo animado solta fogos. É contagiante a alegria, no festejo das pessoas, nos sorrisos contidos na confraternização em cada abraço. Afinal, todos esperam por um recomeço que possa acontecer na passagem de um ano para o seguinte quando um novo ano nasce.

         Nas praias os adeptos do centro espírita da cidade preparam as etapas do ritual religioso que seguem, com velas, cantigas e orações. Os transeuntes entre beijos, risos e abraços observam a movimentação daquela gente toda que procura um lugar para se acomodar, enquanto algumas pessoas afastadas do movimento veem nesta hora um momento de confraternização com os parentes e os amigos, longe do aglomerado presente nas praias.
        Em seu canto, sem ver qualquer cena real, está Fabrício. Pensativo, impaciente, alheio ao que ocorre à sua volta, está há algum tempo a olhar o mar, a tentar divisar a linha do horizonte na noite do último dia do ano. Resolve levantar, sair de onde se encontra, para caminhar lentamente pela areia da praia, de cabeça baixa, que levanta somente uma vez ou outra para olhar as ondas do mar que morrem na areia.
          - Que horas são, meu amigo? - Indaga ao primeiro que lhe cruza o caminho.
          - Faltam vinte e cinco minutos! - Animado - Vinte e cinco minutos para 1994!
          - Obrigado. - Indiferente, segue adiante.
         Então Fabrício começa a pensar na vontade que se apoderou dele nos últimos instantes que está alí, sentado à beira do mar. Adentrá-lo lentamente, até que a água o cubra por inteiro. Não merece viver, pensa. Não depois do que tinha acontecido. Tem mesmo é que morrer, morrer como um desgraçado que é. É um fracassado!

         Nosso amigo resolve voltar para casa, a alguns quarteirões. Não leva mais de dez minutos para fazer isso, colocar um par de luvas no bolso da calça e pegar o revólver na gaveta da cômoda. Luiz Carlos, seu filho, na inocência dos seus oito anos, observa a atitude do pai sem entender muito bem. Preocupa-se com os fogos que o assustam. Apenas isso.                 


 

          - Papai, estou com medo...
          - Fique aqui. Papai não demora.
          -  Eu não quero ficar aqui sozinho...
         Fabrício sai, deixando o filho para trás. Na rua os fogos aumentam na marca dos quinze minutos para a virada do ano. O garoto tapa os ouvidos e clama por ajuda.
           - Quero a mamãe! Onde está a minha mãe?
          Sem obter qualquer resposta, o menino vai atrás do pai que, na rua, apressa o passo ignorando que o filho o segue. O pequeno tem vontade de correr, se apegar àquelas calças compridas, porém sente medo de ser repreendido, e até, quem sabe, levar uma surra por sua desobediência. O pai disse-lhe que ficasse em casa. E ele sabia que sempre havia uma punição quando desobedecia. O garoto, por estar com muito medo dos fogos, segue de longe a quem deveria confortá-lo nessa hora difícil. Pensava nas passagens de anos anteriores, em que os pais se mantinham perto dele. Ia, desse modo, tentando não perder de vista aquelas passadas rápidas. Passa a lembrar , enquanto caminha, o motivo do receio das bombas. Um primo sofreu muito ao ter se ferido com uma delas em uma determinada ocasião. Ele via, nitidamente, aquele rosto a dor, associados ao barulho das explosões do momento em que o primo foi atingido pela fatalidade e perdera dois dedos, quando tentara soltar o explosivo. O garoto misturava o barulho com o sangue do primo, que avermelhava-lhe os olhos. Não. Não queria o mesmo para si. Tinha pavor do que tinha acontecido, pois não queria sentir novamente a sensação daquela dor, desta vez no próprio corpo.
            

            Voltando à ação, o filho seguia o pai de longe, até que este vai até uma casa, bate na porta e um homem vem atender.
            - Fabrício, que surpresa! Venha beber algo comigo. Estou sozinho, longe dos meus, não tenho ninguém para me acompanhar nos últimos minutos de 1993... - Abraça o outro - ... quer dizer, a gente nunca se conheceu muito bem, só de umas e outras no bar, de jogar conversa fora... Mas gosto de você, rapaz... - Os dois entram na casa. - Pelo menos uma cerveja eu tenho na geladeira para não iniciarmos o ano à seco.
              Fabrício ao entrar, olha para o relógio da sala, que marca exatamente onze minutos para meia-noite. Começa a relembrar do momento que lhe foi dado o endereço que remoeu por incontáveis horas. - "Rua dos Ingazeiros, 39". Não tinha erro. Nem tampouco na descrição física do indivíduo. Era forte, calvo, gostava de usar camisas de tecido xadrez, como a que usava alí na sua frente. Entretanto, a pessoa que tinha lhe dado aquelas informações era simplesmente um pinguço, muito considerado quando estava longe do copo, mas isso era coisa rara porque passava mais tempo no boteco do que fora dele... Não! Era demais! Recusava-se a acreditar!
               O dono da casa tira dois copos da cristaleira da sala, e os coloca sobre a mesa. O primeiro para o visitante e o segundo para si mesmo. Entrega o copo para Fabrício, sorrindo gentilmente.
                - Essa vida que levo, longe da família... Minha mulher e meus filhos ficaram no norte...
                Fabrício nada responde. Observa o conhecido, que desiste da conversa.
                - Bem, vou pegar a cerveja. Está geladinha.

 

               Quando fica sozinho, o visitante tenta acalmar seus pensamentos. Seria o comentário malicioso de um sujeitinho invejoso. É, sim. Porque Rosalva era bonita, linda por sinal, e ele, Fabrício, era invejado por causa disso. - Pensava.

              Ah, mas a natureza humana!... A dúvida cercada de muita angústia atrapalhava até mesmo a respiração do Fabrício. Estava ofegante, pela incerteza, o sentimento de amor traído... Suava frio.

             Não aguentando mais, foi até o quarto de Januário. Tiraria de vez a cisma. Sentia-se envergonhado pelo que fazia, porém não ia recuar. Abre a porta do quarto, que estava entreaberta, e mal pode se conter nas pernas. A presença da esposa, na cama, agasalhada apenas por uma coberta e o seu susto com a presença dele. Junto a ela, na cabeceira da cama, um champanhe fechado, mergulhado num balde de gelo e duas taças. Ela se assusta quando o vê, alí na sua frente.

                   - Fabrício!
                  A mulher tenta sair do leito, contudo fica acanhada porque parte dos seios aparecem aos primeiros movimentos que faz de se levantar. Estava nua. Volta a cobrir-se até a altura dos ombros para tentar ocultar a nudez, que já estava nos pensamentos do marido numa entrega louca e desenfreada entre os dois amantes. Perdida, Rosalava leva as mãos ao rosto. Balbucia algumas palavras. Procura manter a calma para tentar argumentar com o marido.
                   - Fabrício, o que está fazendo aqui?
                   No encontro do casal, ele a olha friamente. Ela tenta, sem jeito, disfarçar.
                   - E o Luiz Carlos? Você o deixou sozinho? Ele tem pavor de fogos...
                  Fabrício tira as luvas do bolso da calça e as coloca nas mãos. Depois tira o revólver da cintura. Ao gesto dele, ela cobre-se mais ainda. Ela sente um misto de pavor e de vergonha por estar naquele estado. Ela treme de medo, não conseguindo coragem para gritar por Januário. Vêm-lhe à cabeça os encontros furtivos com o amante, as tardes que passavam juntos, quando o marido viajava e o filho estava na escola. Rosalva termina por deixar transparecer tudo isso no seu olhar furtivo, insistente, para a porta do quarto. Um olhar de cumplicidade que deixava Fabrício mais desnorteado ainda. As informações que lhe foram dadas, todas verdadeiras, deixavam aquele homem sem ação. Ele ainda a amava, mesmo depois de mais de dez anos de casamento. Como, então, ela teve coragem de fazer aquilo? A mãe do seu filho! Doía muito!...
            Nesse estado de inércia, com um à olhar para o outro, o casal aguarda. Ouvem-se passos. É o dono da casa que ao chegar mal entra no quarto e já faz alguns comentários sobre o visitante, que se escondeu atrás da cortina da janela, de tecido espesso e comprido, quando percebeu que ele se aproximava. Nesse momento, Fabrício aponta a arma para a mulher.
               - Rosalva, minha querida, o seu marido apareceu. Quando eu ia abrir uma cerveja para tomar com ele... Sumiu! Parece maluco!

                Rosalva não o ouve. Seus olhos estão esbugalhados, fixos na janela. Ao notar, Januário se assusta.
                - O que houve, mulher?
               Januário, o amante, procura averiguar o que assusta Rosalva e se depara com o Fabrício passando a apontar a arma para ele também. Tenta uma saída, enfim, algo em que o marido traído venha acreditar.
                - Olha, não é nada disso que você está pensando..

              

               Qualquer justificativa nesse instante soa como falsidade, enquanto uma nova sequência de fogos passa despercebida para Fabrício. Recorda o dia anterior, quando chegou de viagem em casa, e a mulher, " com muitas saudades dele" , o beijara apaixonadamente. Um beijo conservado nos lábios somente para ele, bem como aquele corpo. Encara a mulher.

                - "Falsa!" "Fingida!" - o marido traído vai remoendo esses pensamentos.

                Da mesma boca que lhe dera o beijo, saíra o pedido de passar o último dia do ano na casa da mãe, a sogra que enche a paciência dele por julgá-lo um vagabundo que tinha nas suas viagens de representante comercial a desculpa das coisas erradas que fazia.

               "Pobre sogra!" "Como estava errada!" "Era a filha que não prestava!" - Fabrício pensa.
            Uma seqüência de fogos bem mais intensos desperta Fabrício. Luiz Carlos, fora da casa, encolhe-se na porta da entrada. O pai, enquanto isso começa a ser dominado por uma tremedeira nas mãos pelo ódio crescente que acumula em seu íntimo. Tenta se controlar. Januário e Rosalva se assustam. O amante tenta contornar a situação.
            - Calma, por favor. Largue a arma. Vamos conversar... - tenta se aproximar aos poucos, a fim de tomar o revólver do outro.
             - Fique quieto! Vamos esperar dar meia-noite.
          

            - É, está bem, vamos esperar. - Januário, receoso - Vou abrir o champanhe... Vou à cozinha pegar mais uma taça... - faz menção de sair.
            - Fique aí! - Fabrício, enérgico - Ninguém sai daqui antes da meia-noite!
            Não teriam que esperar muito. Faltavam cinco minutos para a hora estipulada. Mais fogos, desta vez em maior quantidade, ecoam pela casa. O pequeno, ao ouvir o barulho e ver tantos clarões, entra de qualquer maneira na sala da casa, aproveitando que a porta estava encostada. O instinto domina qualquer razão que o impedia de adentrar naquele estranho recinto. O pipocar dos explosivos aumenta gradativamente, tornando o momento ensurdecedor. Segundos são ouvidos em explosões, até que no meio delas o relógio da sala dá o seu toque ao completar a hora. No meio do barulho, vindo de fora, o menino tem a impressão que dois fogos explodem dentro da casa, tamanha é a intensidade das explosões, deixando-o com a impressão de terem vindo do cômodo ao lado.
              

              

A movimentação da rua principal, na cidadezinha, no último dia do ano.

                       

 

                         .......... (Continua na Página Seguinte)..........

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